A palavra obstetrícia é derivada do latim obstetrix, sendo que
obstare é estar ao lado da parturiente ou ainda
ajudá-la a enfrentar o processo da gravidez
e do parto. Este significado refere-se ao período em que as parteiras prestavam a assistência ao parto e hoje faz menção à ciência ou parte da medicina que estuda e
presta assistência
à mulher na gestação, parto e puerpério.
Para conhecermos a origem dessa especialidade, se faz
necessária a compreensão da Medicina em si e algumas mudanças que ocorreram através dos séculos, influenciadas por crenças, estilo de vida e acontecimentos históricos.
No século
XVIII, o corpo humano era visto como um "buraco negro" de onde fluíam "humores" de maneira
estonteante. Durante esse século,
muito pouco se sabia sobre o funcionamento do corpo humano. Os seus diversos
processos, como digestão,
fertilidade, evacuação
e parto, eram vistos como mudanças
semelhantes às
observadas na natureza, como as estações do ano e as mudanças climáticas.
As pacientes eram incentivadas a atiçar o "fogo vital" ou a chama da vida, por meios
de vômitos, sangrias, suadores e evacuações regulares, que ajudariam a manter
"o bom fluxo de energia".
Foi Hipócrates,
o "pai da Medicina", quem instituiu que a doença é do
corpo e não
um castigo dos deuses.
Ainda que a doença fosse considerada como orgânica, a medicina greco-romana era naturalista e holística. Fazia referência à importância do equilíbrio, onde o corpo humano não deveria se tornar nem muito quente
nem muito frio, ou ainda, nem úmido,
nem seco.
A figura do médico, antes vista como uma espécie de mago e começava a se tornar uma figura científica. Entretanto, ainda era vista com
desconfiança
diante das patologias da saúde
e mantida distante do momento do parto.
Entre 1346 e 1350, a Pesta Negra matou cerca de 25% da
população da Europa e reduziu de 30 para 20
anos a expectativa da população.
Nesse período,
que se seguiu a peste negra, "gerar" passou a ser quase uma necessidade
para a preservação
da espécie. A maternidade era muito
valorizada, estimulada, sem com isso significar que as mulheres a desejassem. O
vínculo estabelecido entre mãe e filho era mínimo, por esse motivo, muitos dos bebês gerados eram entregues para as
"amas-de-leite". As famílias mais ricas escolhiam as amas com muita cautela e elas
permaneciam na residência
da mãe, já as
mais pobres, o bebê era enviado à casa da "ama-de-leite", que
não conseguiam dar conta de todos os bebês que lhe eram entregues, por esse
motivo, o índice
de mortalidade infantil era bastante elevado.
As mulheres eram vistas como
apenas procriadoras, distantes de um envolvimento maior com o parto ou a
maternidade.
Uma grávida
era orientada a repousar e evitar relação sexual, pois com elas "a natureza estava
satisfeita".
Até meados da década de 1800, o indíce de mortalidade materna era altíssimo, não só pelas intercorrências obstétricas, como eclâmpsia e hemorragia, mas também pelas infecções de difícil controle. Diante dessa realidade,
o parto domiciliar apresentava, então, as suas vantagens. Geralmente era realizado por uma ou
mais mulheres, menopausadas, cercada por crenças, talismãs
e poções milagrosas para auxiliar o
processo.
Em 1806, data em que a obstetrícia passou a se tornar uma
especialidade médica,
uma série de inovações, como o fórceps e o espéculo foram criados, mudando o desfecho
de muitos nascimentos. O fórceps
era considerado um instrumento secreto, somente podia ser utilizado quando mais
ninguém estivesse presente, somente a
paciente e a parteira, esta deveria permanecer de olhos vendados.
Foi o obstetra
francês
François Mauriceau
(1637-1709), profissional altamente conceituado entre a realeza da época, quem
primeiro pôs em prática a idéia de colocar
deitada a mulher em trabalho de parto. Fez isso, diga-se em seu favor, para
conforto delas, que tinham quilos demais para se sentar confortavelmente nas
cadeiras de parto. Querendo ajudar, cometeu aquele que seria considerado por
muitos como o maior erro da história da Obstetrícia.
Atualmente, curioso notar que
algumas das cadeiras disponíveis para o parto lembram muito os modelos antigos, que
faziam parte do enxoval do bebê.
Nelas, a mulher era imobilizada e acorrentada na hora do parto.
A partir de 1900 começou a crescer a idéia de que parir deveria ser uma situação hospitalar.
O relato do primeiro serviço onde um programa de pré-natal foi implantado é da
Austrália, em 1912. Nesse mesmo período a fisioterapeuta Minnie Randall
desenvolveu programas cinesioterapêuticos voltados à mulher
no pós-parto visando sua recuperação física. Posteriormente, Randall promoveu programas voltados a
gestantes cujos objetivos eram o preparo para o parto.
Em 1940 a fisioterapeuta Helen Heardman e outros
fisioterapeutas ingleses que atuavam na área criavam a Associação Obstétrica
de Fisioterapeutas Licenciados.
Entre as décadas
de 1940 e 1960, houve uma mudança
radical no papel da mulher na sociedade. Os avanços científicos
haviam levado a um distanciamento da mulher e de seus diferentes processos
naturais como a gravidez e o parto, onde o cenário que se encontrava era o movimento Hippie e a invenção da pílula, onde a mulher pudesse reassumir seu papel ativo
diante do próprio
corpo.
Os programas de preparação para o parto do obstetra inglês Dick Read na década de 1950, visando a um "parto
sem dor" e uma gravidez "mais ativa", traziam uma série de exercícios físicos terapêuticos,
atraindo principalmente os fisioterapeutas para sua orientação. Ivan Petrovich Pavlov na Rússia, fundamentou a teoria de Pavlov.
Essa teoria sugeria que as dores do parto sofriam influencia de
condicionamentos transmitidos de mãe para filho. Dessa forma, Patonov, cria uma proposta de
preparação para o parto, na qual relaxamento,
exercícios físicos e respirações teriam papel fundamental - Método Psicoprofilático. Nesse mesmo período, Arnold Kegel, em 1948 na Califórnia, iniciou seus estudos sobre o
papel da musculatura perineal.
Em 1960 iniciou-se a atuação de fisioterapeutas nessa área, em atividades educativas de preparo para o parto.
Nas décadas
de 1970 e 1980 os estudos randomizados passaram a nortear o trabalho dos
fisioterapeutas. A contribuição
de Raul Artal no processo de consolidação da fisioterapia obstétrica deve ser sempre lembrada e registrada.
Em 1979 a Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, em
seu departamento de Ginecologia e Obstetrícia incentivou a organização de equipe multidisciplinar e o Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher - CAISM foi criado e em 1986 os Serviços de Fisioterapia foram agregados.
Grandes nomes não podem deixar de serem citados por tudo que lutaram e
promoveram no trabalho dos fisioterapeutas no Brasil são as Doutoras Mirca Christina da Silva
Batista, Ângela
Marx e Elza Baracho. Apesar da existência de livros traduzidos de fisioterapia em ginecologia e
obstetrícia, somente em 1996 que foi publicado
o primeiro livro nacional de autoria da fisioterapeuta mineira Elza Baracho.
Muito se deve pelo entusiasmo e dinamismo dessas mulheres.
Enfim, hoje a Fisioterapia Aplicada à área
da Saúde da Mulher, colhe os frutos das
sementes plantadas no passado e alia tecnologia e conhecimento científico, sem perder a sensibilidade.
A partir de 2000 foram criados os primeiros cursos de
especialização
em Fisioterapia em Saúde
da Mulher, substituindo-se as palavras ginecologia e obstetrícia, com o objetivo de deixar explícita a incorporação dos importantes preceitos filosóficos, destacando o conceito de
integralidade, contidos no Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher - PAISM.
Em 2005 foi criada a Associação Brasileira de Fisioterapia em Saúde da Mulher - ABRAFISM, que vem
reunir os profissionais que hoje atuam na área no Brasil.
Em 2006 a ABRAFISM promoveu o I Congresso Brasileiro de
Fisioterapia em Saúde
da Mulher em conjunto com o I Intercobraf promovido pela Associação dos Fisioterapeutas do Brasil - AFB.
A ABRAFISM, EM 2007, deu um importante passo histórico, tornando-se a primeira associação da América Latina, membro da Organização Internacional de Fisioterapia em Saúde da Mulher - IOPTWH, durante o
Congresso Mundial de Fisioterapia realizado em Vancouver no Canadá.
Em outubro de 2009 foi aprovada por unanimidade a Resolução nº 372
do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional - COFFITO, que
reconhece a Saúde
da Mulher como especialidade do fisioterapeuta.
A Organização
da Saúde - OMS - recomenda como prioritárias as ações que busquem oferecer uma assistência de qualidade e com base em evidências científicas no pré-natal, parto e puerpério. Desse forma fica evidente a
necessidade de programas governamentais de saúde voltados a mulher.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
1. Marques, AA, et al. Tratado de fisioterapia em saúde da mulher. São Paulo: Ed. Roca, 2011.
2. Ferreira, CHJ. Fisioterapia na saúde da mulher: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2011.